As mulheres brasileiras apresentam atualmente um dos maiores índices de depressão pós-parto no mundo. Pelo menos é o que sugere uma recente pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Psicologia e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o estudo, realizado com gestantes que fizeram o pré-natal em unidades básicas de Saúde, no bairro do Butantã, e o parto no Hospital Universitário da USP, 28% das 257 mulheres entrevistadas sofrem com o problema. O número chega a ser pelo menos duas vezes maior do que a prevalência descrita na literatura mundial, que fica entre 10% e 15%.
Para que fosse possível traçar um paralelo com outras situações, a mesma pesquisa foi feita em unidades privadas. No entanto, das 268 mulheres entrevistadas e que tiveram filhos nesses locais, apenas 8% apresentaram os sintomas, taxa considerada menor do que a média mundial.
Segundo as coordenadoras do projeto, Emma Otta, Vera Sílvia Bussab, Maria de Lima Salum e Morais, a análise das estatísticas apontou um conjunto de fatores como os principais riscos para o desenvolvimento do problema, entre eles a qualidade da relação com o parceiro, a ocorrência de depressões anteriores, anos de escolaridade e apoio social.
"Os fatores apontados devem ser interpretados dentro de um contexto mais amplo e considerados em suas interações. Contudo, as mulheres atendidas no hospital público apresentaram maior número de fatores de risco", ressaltaram as pesquisadoras.
As observações feitas durante a pesquisa levaram em consideração os três primeiros anos após o nascimento, a fim de identificar as interferências da depressão no desenvolvimento cognitivo das crianças. De acordo com as análises, embora as mulheres com depressão pós-parto tenham se considerado piores mães, isso não interferiu na interação entre eles.
"Elas relatavam que o bebê dava mais trabalho, que tinham mais dificuldades nos cuidados com a criança, que eram mais impacientes e que dedicavam menos tempo ao filho", explicaram as estudiosas.
Medidas preventivas
Apesar do elevado índice apresentado pelas mulheres na depressão pós-parto, o estudo revelou que algumas medidas podem ser úteis para atenuar o impacto do problema. Uma delas seria a adoção de uma ficha de atendimento das gestantes, que faria uma triagem sobre possíveis ocorrências de episódios de depressão anteriores, além de um rastreamento de indicativos do transtorno.
"Isso permitiria o encaminhamento dessas mulheres para o tratamento do transtorno e, adicionalmente, permitiria planejar o acompanhamento delas com mais atenção", destacam as pesquisadoras.
‘Pensei em me matar’: 1 em 4 mulheres sofrem de depressão pós-parto no Brasil
Dilssa Soares teve depressão pós-parto após o nascimento do segundo filho; 'pensei em me matar', diz ao recontar experiência
"Eu tinha vontade de me matar. Fiquei dois meses sem ir mais longe do que dois quarteirões de casa. Eu achava que se fosse além disso ia me jogar na frente de um carro. Era uma válvula de escape."
É assim que a dona de casa Dilssa Libério Soares, de 35 anos, relembra a pior etapa de um momento delicado enfrentado após o nascimento de seu segundo filho.
Sem nunca ter sido diagnosticada oficialmente, 11 meses após o nascimento de Max, ela agora tem certeza de ter enfrentado e sobrevivido a uma depressão pós-parto – e não é um caso isolado.
Segundo uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que entrevistou 23.896 mulheres entre 6 e 18 meses após o parto, mais de uma em cada quatro brasileiras apresenta sintomas de depressão pós-parto.
O estudo ao qual a BBC Brasil teve acesso e que será publicado no Journal of Affective Disorders analisou e detalhou fatores por trás dessa estatística e foi liderado pela pesquisadora Mariza Theme.
- Leia também: Como a guerra ao 'politicamente correto' explica a ascensão de Trump
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Para ela, o trabalho representa um marco inédito nas pesquisas sobre o tema, ainda muito cercado por preconceitos e estereótipos no país, inclusive por parte dos médicos, que muitas vezes negligenciam a questão ao tratar suas pacientes.
"É a primeira vez que temos um estudo no Brasil com tantas mulheres distribuídas por todos os Estados do país, e os resultados mostram que o número de mães que apresentam sintomas está acima da média internacional", explica.
"Eu tinha vontade de me matar. Fiquei dois meses sem ir mais longe do que dois quarteirões de casa. Eu achava que se fosse além disso ia me jogar na frente de um carro. Era uma válvula de escape."
É assim que a dona de casa Dilssa Libério Soares, de 35 anos, relembra a pior etapa de um momento delicado enfrentado após o nascimento de seu segundo filho.
Sem nunca ter sido diagnosticada oficialmente, 11 meses após o nascimento de Max, ela agora tem certeza de ter enfrentado e sobrevivido a uma depressão pós-parto – e não é um caso isolado.
Segundo uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que entrevistou 23.896 mulheres entre 6 e 18 meses após o parto, mais de uma em cada quatro brasileiras apresenta sintomas de depressão pós-parto.
O estudo ao qual a BBC Brasil teve acesso e que será publicado no Journal of Affective Disorders analisou e detalhou fatores por trás dessa estatística e foi liderado pela pesquisadora Mariza Theme.
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Para ela, o trabalho representa um marco inédito nas pesquisas sobre o tema, ainda muito cercado por preconceitos e estereótipos no país, inclusive por parte dos médicos, que muitas vezes negligenciam a questão ao tratar suas pacientes.
"É a primeira vez que temos um estudo no Brasil com tantas mulheres distribuídas por todos os Estados do país, e os resultados mostram que o número de mães que apresentam sintomas está acima da média internacional", explica.
'Acima da média' e políticas públicas
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média de casos de depressão pós-parto em países de baixa renda é de 19,8%. De acordo com o estudo da Fiocruz, no Brasil o índice de mulheres com sintomas é de 26,3%, índice maior do que o registrado também em países da Europa, além de Estados Unidos e Austrália.
Para Mariza, a mensagem mais importante do estudo é a necessidade de que o governo monitore o problema no pré-natal e após o parto.
"Sem ter essa questão incorporada de fato e de forma sistemática à rotina do SUS, essas mulheres não são identificadas, e portanto não são tratadas. Estão soltas por aí, sofrendo com um problema que pode ter reflexos no desenvolvimento da criança e na saúde das mães", explica.
"Nosso trabalho vai ser lutar junto ao Ministério da Saúde para que as mulheres sejam testadas para depressão pós-parto e acompanhadas. Qualquer profissional da saúde pode aplicar o questionário e fazer a triagem, não é obrigatório que seja um psicólogo ou psiquiatra".
Para o ginecologista e obstetra Alexandre Faisal, professor da Faculdade de Medicina da USP no Departamento de Medicina Preventiva e um dos maiores pesquisadores da área no Brasil, o país ainda não tem políticas públicas suficientes.
"Estudo depressão antes, durante e depois da gravidez há mais de 15 anos no Brasil e acredito que não temos políticas públicas adequadas. Esta é uma das lutas mais antigas de pesquisadores e médicos da área: a inclusão do rastreamento específico para depressão pós-parto nas rotinas do SUS", diz.
Na visão do especialista, é preciso incluir as perguntas que podem levar ao diagnóstico e montar uma rede de tratamento.
"Como você tem se sentido nos últimos 15 dias? Deixou de ter prazer em alguma atividade que fazia naturalmente? Como está seu sono, seu dia a dia? Você tem se sentido infeliz, ansiosa ou preocupada sem uma boa razão? Tem se sentido infeliz a ponto de chorar?", são algumas das questões que integram a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo, usada na pesquisa da Fiocruz.
"Assim como se mede a pressão e são feitos exames, é preciso avaliar o emocional das gestantes. A segunda questão é estudar medidas para tratar o problema. Para onde vamos encaminhar essas mulheres?", questiona Faisal, apontando para a necessidade de criação de uma rede com psicólogos e psiquiatras capacitados.
Questionado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde disse que há atenção para o assunto e que oferece atendimento integral e gratuito às gestantes nos períodos pré-natal e pós-parto nas Unidades Básicas de Saúde.
De acordo com a nota enviada, os profissionais que acompanham a mulher "têm capacitação e qualificação para identificar, a qualquer momento, sinais de sofrimento mental e possíveis mudanças de comportamento para intervir da melhor forma possível. Entre as estratégias adotadas está uma entrevista com a mulher em sala reservada com questionário específico que identifique depressão".
O ministério também cita a criação da Rede Cegonha, em 2011, que prioriza o parto normal e visa proporcionar "saúde, qualidade de vida e bem-estar na gestação, parto, pós-parto e o desenvolvimento da criança até os dois primeiros anos de vida".
A nota não deixou claro se existe ou não a rotina específica e sistemática recomendada pelos pesquisadores e especialistas, já em uso no Reino Unido e na Austrália e atualmente em discussão nos Estados Unidos, de acordo com recomendações da Academia de Ginecologia e Obstetrícia americana.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média de casos de depressão pós-parto em países de baixa renda é de 19,8%. De acordo com o estudo da Fiocruz, no Brasil o índice de mulheres com sintomas é de 26,3%, índice maior do que o registrado também em países da Europa, além de Estados Unidos e Austrália.
Para Mariza, a mensagem mais importante do estudo é a necessidade de que o governo monitore o problema no pré-natal e após o parto.
"Sem ter essa questão incorporada de fato e de forma sistemática à rotina do SUS, essas mulheres não são identificadas, e portanto não são tratadas. Estão soltas por aí, sofrendo com um problema que pode ter reflexos no desenvolvimento da criança e na saúde das mães", explica.
"Nosso trabalho vai ser lutar junto ao Ministério da Saúde para que as mulheres sejam testadas para depressão pós-parto e acompanhadas. Qualquer profissional da saúde pode aplicar o questionário e fazer a triagem, não é obrigatório que seja um psicólogo ou psiquiatra".
Para o ginecologista e obstetra Alexandre Faisal, professor da Faculdade de Medicina da USP no Departamento de Medicina Preventiva e um dos maiores pesquisadores da área no Brasil, o país ainda não tem políticas públicas suficientes.
"Estudo depressão antes, durante e depois da gravidez há mais de 15 anos no Brasil e acredito que não temos políticas públicas adequadas. Esta é uma das lutas mais antigas de pesquisadores e médicos da área: a inclusão do rastreamento específico para depressão pós-parto nas rotinas do SUS", diz.
Na visão do especialista, é preciso incluir as perguntas que podem levar ao diagnóstico e montar uma rede de tratamento.
"Como você tem se sentido nos últimos 15 dias? Deixou de ter prazer em alguma atividade que fazia naturalmente? Como está seu sono, seu dia a dia? Você tem se sentido infeliz, ansiosa ou preocupada sem uma boa razão? Tem se sentido infeliz a ponto de chorar?", são algumas das questões que integram a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo, usada na pesquisa da Fiocruz.
"Assim como se mede a pressão e são feitos exames, é preciso avaliar o emocional das gestantes. A segunda questão é estudar medidas para tratar o problema. Para onde vamos encaminhar essas mulheres?", questiona Faisal, apontando para a necessidade de criação de uma rede com psicólogos e psiquiatras capacitados.
Questionado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde disse que há atenção para o assunto e que oferece atendimento integral e gratuito às gestantes nos períodos pré-natal e pós-parto nas Unidades Básicas de Saúde.
De acordo com a nota enviada, os profissionais que acompanham a mulher "têm capacitação e qualificação para identificar, a qualquer momento, sinais de sofrimento mental e possíveis mudanças de comportamento para intervir da melhor forma possível. Entre as estratégias adotadas está uma entrevista com a mulher em sala reservada com questionário específico que identifique depressão".
O ministério também cita a criação da Rede Cegonha, em 2011, que prioriza o parto normal e visa proporcionar "saúde, qualidade de vida e bem-estar na gestação, parto, pós-parto e o desenvolvimento da criança até os dois primeiros anos de vida".
A nota não deixou claro se existe ou não a rotina específica e sistemática recomendada pelos pesquisadores e especialistas, já em uso no Reino Unido e na Austrália e atualmente em discussão nos Estados Unidos, de acordo com recomendações da Academia de Ginecologia e Obstetrícia americana.
Fatores, classe social e demandas das mulheres
O estudo da Fiocruz detalhou um perfil e uma série de fatores que podem ajudar a explicar quem são as mulheres mais propensas a desenvolver o problema.
Segundo Mariza Theme, a maioria das mulheres que sofre com depressão pós-parto no Brasil tem em média 25,6 anos (embora a faixa etária das entrevistadas tenha variado de 12 a 54 anos), é da cor parda, de baixa condição socioeconômica, com antecedentes de transtorno mental, hábitos não saudáveis e em geral já tiveram mais filhos antes e não planejaram a gravidez.
Do total de mulheres que apresentaram sintomas de depressão, 20,5% estavam na primeira gestação, 30,6% na segunda, e 39,8% na terceira.
Um fator decisivo, segundo o estudo, é a classe social. "A mulher com melhores condições socioeconômicas também enfrenta muitas dificuldades, mas quando diagnosticada com depressão pós-parto pode recorrer com mais facilidade ao tratamento psicológico. As mais pobres já têm ambientes mais hostis e menos acesso a ajuda especializada", diz Ana Lúcia Keunecke, fundadora da ONG Artemis, de combate à violência contra a mulher.
Ana diz que o assunto ainda é tabu entre as mulheres, que se sentem muito culpadas com a pressão social e muitas vezes sofrem sozinhas.
Um dos objetivos principais da organização é combater a violência obstétrica, item também avaliado pela pesquisa da Fiocruz.
Mariza Theme diz que, embora seja fato conhecido que o Brasil conte com inúmeros casos de partos violentos, incluindo manobras desnecessárias e uso de medicamentos para acelerar as contrações, que causam dor à gestante, o estudo não identificou uma relação entre esses episódios e a depressão pós-parto.
"O resultado nos leva a algumas hipóteses, entre elas o fato de haver uma aceitação como 'normal' do modelo atual de atenção ao parto ainda realizado no país", diz.
A BBC Brasil conversou com três mães que tiveram depressão pós-parto. As três consideram que não receberam atenção adequada, seja da rede pública ou privada de saúde, e se viram alvo de comentários e pressões que estimularam um sentimento de culpa por estarem deprimidas.
"Todos têm um palpite. Se você cuida de você, do trabalho e da casa, está deixando bebê em segundo plano. Se foca inteiramente na criança, está relaxando com as outras áreas, ficando descuidada. Há sempre um comentário, seja de amigos, parentes, visitas. Mas ninguém para e pergunta como você está, como está se sentindo, se precisa de algo. A mulher se torna invisível", diz a fotógrafa Ly Pucca, que passou por três episódios de depressão pós-parto.
Ela conta que, ao relatar alguns dos sintomas ao ginecologista, particular, ouviu: "deixa de frescura".
O estudo da Fiocruz detalhou um perfil e uma série de fatores que podem ajudar a explicar quem são as mulheres mais propensas a desenvolver o problema.
Segundo Mariza Theme, a maioria das mulheres que sofre com depressão pós-parto no Brasil tem em média 25,6 anos (embora a faixa etária das entrevistadas tenha variado de 12 a 54 anos), é da cor parda, de baixa condição socioeconômica, com antecedentes de transtorno mental, hábitos não saudáveis e em geral já tiveram mais filhos antes e não planejaram a gravidez.
Do total de mulheres que apresentaram sintomas de depressão, 20,5% estavam na primeira gestação, 30,6% na segunda, e 39,8% na terceira.
Um fator decisivo, segundo o estudo, é a classe social. "A mulher com melhores condições socioeconômicas também enfrenta muitas dificuldades, mas quando diagnosticada com depressão pós-parto pode recorrer com mais facilidade ao tratamento psicológico. As mais pobres já têm ambientes mais hostis e menos acesso a ajuda especializada", diz Ana Lúcia Keunecke, fundadora da ONG Artemis, de combate à violência contra a mulher.
Ana diz que o assunto ainda é tabu entre as mulheres, que se sentem muito culpadas com a pressão social e muitas vezes sofrem sozinhas.
Um dos objetivos principais da organização é combater a violência obstétrica, item também avaliado pela pesquisa da Fiocruz.
Mariza Theme diz que, embora seja fato conhecido que o Brasil conte com inúmeros casos de partos violentos, incluindo manobras desnecessárias e uso de medicamentos para acelerar as contrações, que causam dor à gestante, o estudo não identificou uma relação entre esses episódios e a depressão pós-parto.
"O resultado nos leva a algumas hipóteses, entre elas o fato de haver uma aceitação como 'normal' do modelo atual de atenção ao parto ainda realizado no país", diz.
A BBC Brasil conversou com três mães que tiveram depressão pós-parto. As três consideram que não receberam atenção adequada, seja da rede pública ou privada de saúde, e se viram alvo de comentários e pressões que estimularam um sentimento de culpa por estarem deprimidas.
"Todos têm um palpite. Se você cuida de você, do trabalho e da casa, está deixando bebê em segundo plano. Se foca inteiramente na criança, está relaxando com as outras áreas, ficando descuidada. Há sempre um comentário, seja de amigos, parentes, visitas. Mas ninguém para e pergunta como você está, como está se sentindo, se precisa de algo. A mulher se torna invisível", diz a fotógrafa Ly Pucca, que passou por três episódios de depressão pós-parto.
Ela conta que, ao relatar alguns dos sintomas ao ginecologista, particular, ouviu: "deixa de frescura".
Depoimento de Dilssa Libério Soares
Dilssa Soares diz que mulheres deveriam procurar ajuda profissional o mais rápido possível se identificarem sintomas
"Na primeira gestação tudo correu bem. Foi muito tranquilo, da gravidez ao parto. Eu trabalhei até 20 dias antes de ela nascer, e minha filha Camila tem hoje oito anos.
Já minha segunda gravidez foi muito tumultuada. Os médicos me alertaram já no começo que eu estava com diabetes e que seria uma gravidez de risco, e isso me deixou preocupada. Fiquei com isso na cabeça, já me sentindo culpada.
Tentei fazer tudo certo a gestação inteira. Acabei sendo internada por conta da pressão muito alta, e ele nasceu quando eu estava no hospital, prematuro, com 32 semanas. O parto foi muito traumático, me deixaram sozinha numa sala, sem ninguém. Foi muito angustiante. Ele ficou na UTI neonatal por um mês.
Quando ele veio para casa muitas vezes ficávamos os dois chorando, eu com ele no colo. Eu me sentia na obrigação de fazer tudo. Dar banho, trocar fraldas, dar de mamar – mas eu não tinha vontade. Minha filha começou a ter problemas na escola, e ela sempre tinha sido muito calminha.
Na verdade eu nunca quis ter filhos, mas veio a Camila quando eu tinha 27 anos e depois de oito anos apareceu o Max. Estou buscando fazer laqueadura no SUS.
O pior foi que senti foi uma vontade louca com relação ao suicídio. Não conseguia respirar, tinha palpitações, suor frio. Um dia fui ao supermercado e estava muito cheio, entrei em pânico. Por dois meses não fui mais longe do que dois quarteirões, quase não saía de casa. Eu achava que se fosse além disso ia me jogar na frente de um carro. Era uma válvula de escape.
A minha patroa pediu para eu consultar um psicólogo. Quando fui marcar, era final de novembro e não tinha mais médico, ficou para janeiro. No começo do ano, quando chegou a consulta, os sintomas já tinham melhorado.
Se pudesse voltar atrás, teria procurado ajuda profissional logo no começo. Nunca fui oficialmente diagnosticada com depressão pós-parto, mas hoje sei que foi isso que tive.
Na minha opinião, a mulher tem que tentar identificar e procurar um psicólogo, um psiquiatra. Eu sou muito religiosa, e acredito que não fiz nada de ruim para mim ou meu filho porque pagaria por isso de acordo com minhas crenças, mas nem todo mundo tem essa estrutura."
- Dilssa mora em Franco da Rocha (SP), tem 35 anos de idade, é mãe de Camila (8 anos) e Max (11 meses), e além de ser dona de casa trabalha como cozinheira e já foi merendeira concursada, babá e empregada doméstica
Dilssa Soares diz que mulheres deveriam procurar ajuda profissional o mais rápido possível se identificarem sintomas
"Na primeira gestação tudo correu bem. Foi muito tranquilo, da gravidez ao parto. Eu trabalhei até 20 dias antes de ela nascer, e minha filha Camila tem hoje oito anos.
Já minha segunda gravidez foi muito tumultuada. Os médicos me alertaram já no começo que eu estava com diabetes e que seria uma gravidez de risco, e isso me deixou preocupada. Fiquei com isso na cabeça, já me sentindo culpada.
Tentei fazer tudo certo a gestação inteira. Acabei sendo internada por conta da pressão muito alta, e ele nasceu quando eu estava no hospital, prematuro, com 32 semanas. O parto foi muito traumático, me deixaram sozinha numa sala, sem ninguém. Foi muito angustiante. Ele ficou na UTI neonatal por um mês.
Quando ele veio para casa muitas vezes ficávamos os dois chorando, eu com ele no colo. Eu me sentia na obrigação de fazer tudo. Dar banho, trocar fraldas, dar de mamar – mas eu não tinha vontade. Minha filha começou a ter problemas na escola, e ela sempre tinha sido muito calminha.
Na verdade eu nunca quis ter filhos, mas veio a Camila quando eu tinha 27 anos e depois de oito anos apareceu o Max. Estou buscando fazer laqueadura no SUS.
O pior foi que senti foi uma vontade louca com relação ao suicídio. Não conseguia respirar, tinha palpitações, suor frio. Um dia fui ao supermercado e estava muito cheio, entrei em pânico. Por dois meses não fui mais longe do que dois quarteirões, quase não saía de casa. Eu achava que se fosse além disso ia me jogar na frente de um carro. Era uma válvula de escape.
A minha patroa pediu para eu consultar um psicólogo. Quando fui marcar, era final de novembro e não tinha mais médico, ficou para janeiro. No começo do ano, quando chegou a consulta, os sintomas já tinham melhorado.
Se pudesse voltar atrás, teria procurado ajuda profissional logo no começo. Nunca fui oficialmente diagnosticada com depressão pós-parto, mas hoje sei que foi isso que tive.
Na minha opinião, a mulher tem que tentar identificar e procurar um psicólogo, um psiquiatra. Eu sou muito religiosa, e acredito que não fiz nada de ruim para mim ou meu filho porque pagaria por isso de acordo com minhas crenças, mas nem todo mundo tem essa estrutura."
- Dilssa mora em Franco da Rocha (SP), tem 35 anos de idade, é mãe de Camila (8 anos) e Max (11 meses), e além de ser dona de casa trabalha como cozinheira e já foi merendeira concursada, babá e empregada doméstica
Depoimento de Ly Pucca
A fotógrafa e doula Ly Pucca teve depressão pós-parto três vezes; para ela a invisibilidade da mulher é o pior aspecto do problema
"Tive depressão nas três gestações. A primeira foi uma gravidez não planejada e muito complicada. Para a família do meu ex-marido foi uma gestação indesejada. Fui obrigada a casar, foi uma das coisas mais traumáticas da minha vida.
Fui forçada a ter cesárea, em hospital particular. Era final de ano, e todos diziam que minha insistência por parto normal estragaria o Natal de todo mundo. Sempre quis ter parto normal.
Quando a Luiza nasceu, eu olhava para ela e não conseguia respirar. Eu achava que seria incapaz de cuidar daquele ser tão frágil. Passei um mês e meio chorando direto e, quando cheguei em casa, entreguei o bebê nas mãos da minha avó, que foi a única pessoa que me apoiou.
Eu não conseguia sair de casa e achava que ia morrer a qualquer momento. Quando a Luiza fez oito meses meu pai morreu, e aí tive sintomas de pânico mesmo, insônia, taquicardia. Depois de dois anos comecei a trabalhar, e só aí vi que estava melhor.
Ao longo do tempo tive duas péssimas experiências com médicos. Uma ginecologista me disse 'ah, não gostou do neném?' e outro me disse que era para eu 'parar de frescura'. Isso faz com que você se sinta ainda mais culpada. Se um médico te diz isso, como você se sente depois?
Uma vez procurei uma psicóloga e ela dormiu no meio da sessão. Outra vez fui a um psiquiatra e ele me receitou um remédio, mas eu não quis tomar.
Na segunda também tive depressão, mas foi bem mais leve. Na verdade eu só descobri que foi isso que eu tive faz três anos.
Apesar do apoio do meu segundo marido e da minha mãe, sentia uma solidão absurda, não queria sair de casa, achava que iam roubar meu filho.
Já na terceira gestação eu houve vários problemas graves de saúde e tanto eu quanto minha filha quase morremos. Isso contribuiu muito. Eu me sentia muito culpada.
Eu atribuo as minhas três depressões a uma falta de conhecimento da minha parte, à questão hormonal, às pressões sociais pela maternidade perfeita, e à falta de ajuda profissional adequada. Hoje em dia gostaria muito de fazer terapia mas não tenho condições financeiras, e não vejo na rede pública.
Só melhorei mesmo quando descobri, nas redes sociais, que muitas outras mães passavam pelo mesmo problema. Hoje só tenho vontade de ajudar, de perguntar do que elas estão precisando, pegar na mão e dizer 'eu já passei por isso, você vai conseguir; todo mundo passar pela mesma coisa, você não precisa ser a mãe perfeita'. A pior sensação é a invisibilidade.
- Ly mora em São Paulo, tem 39 anos, é mãe de Luiza (16 anos), Pedro (7 anos) e Amanda (4 anos), e além de fotógrafa é doula, ativista e faz sessões de fotografia com mulheres como forma de empoderamento e recuperação da autoestima após a maternidade
"Tive depressão nas três gestações. A primeira foi uma gravidez não planejada e muito complicada. Para a família do meu ex-marido foi uma gestação indesejada. Fui obrigada a casar, foi uma das coisas mais traumáticas da minha vida.
Fui forçada a ter cesárea, em hospital particular. Era final de ano, e todos diziam que minha insistência por parto normal estragaria o Natal de todo mundo. Sempre quis ter parto normal.
Quando a Luiza nasceu, eu olhava para ela e não conseguia respirar. Eu achava que seria incapaz de cuidar daquele ser tão frágil. Passei um mês e meio chorando direto e, quando cheguei em casa, entreguei o bebê nas mãos da minha avó, que foi a única pessoa que me apoiou.
Eu não conseguia sair de casa e achava que ia morrer a qualquer momento. Quando a Luiza fez oito meses meu pai morreu, e aí tive sintomas de pânico mesmo, insônia, taquicardia. Depois de dois anos comecei a trabalhar, e só aí vi que estava melhor.
Ao longo do tempo tive duas péssimas experiências com médicos. Uma ginecologista me disse 'ah, não gostou do neném?' e outro me disse que era para eu 'parar de frescura'. Isso faz com que você se sinta ainda mais culpada. Se um médico te diz isso, como você se sente depois?
Uma vez procurei uma psicóloga e ela dormiu no meio da sessão. Outra vez fui a um psiquiatra e ele me receitou um remédio, mas eu não quis tomar.
Na segunda também tive depressão, mas foi bem mais leve. Na verdade eu só descobri que foi isso que eu tive faz três anos.
Apesar do apoio do meu segundo marido e da minha mãe, sentia uma solidão absurda, não queria sair de casa, achava que iam roubar meu filho.
Já na terceira gestação eu houve vários problemas graves de saúde e tanto eu quanto minha filha quase morremos. Isso contribuiu muito. Eu me sentia muito culpada.
Eu atribuo as minhas três depressões a uma falta de conhecimento da minha parte, à questão hormonal, às pressões sociais pela maternidade perfeita, e à falta de ajuda profissional adequada. Hoje em dia gostaria muito de fazer terapia mas não tenho condições financeiras, e não vejo na rede pública.
Só melhorei mesmo quando descobri, nas redes sociais, que muitas outras mães passavam pelo mesmo problema. Hoje só tenho vontade de ajudar, de perguntar do que elas estão precisando, pegar na mão e dizer 'eu já passei por isso, você vai conseguir; todo mundo passar pela mesma coisa, você não precisa ser a mãe perfeita'. A pior sensação é a invisibilidade.
- Ly mora em São Paulo, tem 39 anos, é mãe de Luiza (16 anos), Pedro (7 anos) e Amanda (4 anos), e além de fotógrafa é doula, ativista e faz sessões de fotografia com mulheres como forma de empoderamento e recuperação da autoestima após a maternidade
Depoimento de Ana Lúcia Keunecke
Para advogada Ana Lúcia Keunecke, criação de ONG ajudou no processo de recuperação da depressão pós-parto
"Eu era advogada e tinha meu próprio escritório, trabalhando como autônoma, sem direito a licença maternidade. Era uma pressão. Na gravidez da minha filha correu tudo bem. Levava a Sofia comigo para audiências, ela ficava comigo o tempo todo. Ela nasceu em casa, e foi tudo muito tranquilo.
Com meu filho, quatro anos depois, foi bem diferente. Eu sentia muita raiva de tudo que me tirasse dele. Fui parando de comer, de tomar banho, de fazer as coisas. Eu chorava sem parar. Só entrava no chuveiro se ele estivesse me olhando, e eu pudesse vê-lo o tempo todo.
Minha parteira percebeu, duas semanas depois do nascimento dele, que eu poderia estar com depressão. Ao final do primeiro mês, eu tinha perdido 14 quilos, estava de cama e sendo medicada. Não conseguia mais andar, e foi aí que minha família percebeu e começou a me ajudar.
A depressão grave persistiu por seis a sete meses, mas a recuperação completa levou três anos. Foi quando eu pude parar de trabalhar por um ano e me dedicar à minha saúde e aos meus filhos.
Tive ajuda do meu marido e de uma pessoa para me auxiliar com as coisas da casa. Tenho certeza de que é muito mais difícil para as mulheres que não têm condições financeiras. Sei que sou privilegiada.
Tudo isso me fez mudar de vida, e vi que melhorei muito quando abracei a Artemis, como diretora jurídica, podendo ajudar outras mulheres ao batalhar por uma maternidade voluntária, prazerosa e socialmente protegida.
Defendemos que a mulher precisa ser protegida, amparada, precisa ter creches à disposição, educação, saúde, e que a maternidade tem que ser voluntária, ou seja, a mulher tem que poder escolher se quer ou não ser mãe.
Olhando para trás vejo que quando a gente se torna mãe é como se morresse uma mulher para nascer outra, e que não somos preparadas para este momento. É uma solidão, uma exclusão social, uma pressão de todo mundo, e isso reforça minha convicção de que precisamos lutar pela maternidade amparada e protegida socialmente."
- Ana mora em São Paulo (SP), tem 41 anos de idade, é mãe de Sofia (9 anos), e Marcos (5 anos) e tem dois enteados. Além de advogada é diretora jurídica e fundadora da Artemis, organização que combate a violência contra a mulher e milita a favor da legalização do aborto
"Eu era advogada e tinha meu próprio escritório, trabalhando como autônoma, sem direito a licença maternidade. Era uma pressão. Na gravidez da minha filha correu tudo bem. Levava a Sofia comigo para audiências, ela ficava comigo o tempo todo. Ela nasceu em casa, e foi tudo muito tranquilo.
Com meu filho, quatro anos depois, foi bem diferente. Eu sentia muita raiva de tudo que me tirasse dele. Fui parando de comer, de tomar banho, de fazer as coisas. Eu chorava sem parar. Só entrava no chuveiro se ele estivesse me olhando, e eu pudesse vê-lo o tempo todo.
Minha parteira percebeu, duas semanas depois do nascimento dele, que eu poderia estar com depressão. Ao final do primeiro mês, eu tinha perdido 14 quilos, estava de cama e sendo medicada. Não conseguia mais andar, e foi aí que minha família percebeu e começou a me ajudar.
A depressão grave persistiu por seis a sete meses, mas a recuperação completa levou três anos. Foi quando eu pude parar de trabalhar por um ano e me dedicar à minha saúde e aos meus filhos.
Tive ajuda do meu marido e de uma pessoa para me auxiliar com as coisas da casa. Tenho certeza de que é muito mais difícil para as mulheres que não têm condições financeiras. Sei que sou privilegiada.
Tudo isso me fez mudar de vida, e vi que melhorei muito quando abracei a Artemis, como diretora jurídica, podendo ajudar outras mulheres ao batalhar por uma maternidade voluntária, prazerosa e socialmente protegida.
Defendemos que a mulher precisa ser protegida, amparada, precisa ter creches à disposição, educação, saúde, e que a maternidade tem que ser voluntária, ou seja, a mulher tem que poder escolher se quer ou não ser mãe.
Olhando para trás vejo que quando a gente se torna mãe é como se morresse uma mulher para nascer outra, e que não somos preparadas para este momento. É uma solidão, uma exclusão social, uma pressão de todo mundo, e isso reforça minha convicção de que precisamos lutar pela maternidade amparada e protegida socialmente."
- Ana mora em São Paulo (SP), tem 41 anos de idade, é mãe de Sofia (9 anos), e Marcos (5 anos) e tem dois enteados. Além de advogada é diretora jurídica e fundadora da Artemis, organização que combate a violência contra a mulher e milita a favor da legalização do aborto