Fonte: Por Wanderley Preite Sobrinho 15/02/2016 10:47, atualizada às 21/04/2016 16:37
Nem reforma política nem tributária. O mercado financeiro iniciou 2016 pressionando o governo federal a tirar do papel uma reforma da Previdência, capaz de preencher o rombo de R$ 124,9 bilhões no INSS previsto para este ano. Rombo? Professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil dedicou sua tese de doutorado para defender exatamente o oposto: o déficit previdenciário seria uma farsa provocada por uma distorção do mercado financeiro, que fecharia os olhos para um artigo da Constituição que exige participação da União na composição da Seguridade Social, da qual a Previdência faz parte. “Por essa metodologia, houve déficit de R$ 87 bilhões de janeiro a novembro de 2015”, diz.
Acontece que, quando as contribuições previstas pela Carta entram na conta, o déficit se transforma em superávit. O de 2014 foi de R$ 56 bilhões. “A pesquisa que realizei leva em conta todos os gastos com benefícios, inclusive com pessoal, custeio dos ministérios e com a dívida dos três setores: Saúde, Assistência Social e Previdência”, explica. Denise ironiza o “súbito” interesse do mercado financeiro pelo futuro da Previdência e não poupa de críticas o ajuste fiscal implantado pelo governo. “Dilma está fazendo o que os tucanos desejaram, mas não tiveram força política para fazer.”
Brasileiros – A sua tese de doutorado diz que existe uma “farsa contábil” que transforma em déficit o superávit do sistema previdenciário. Que farsa é essa?
Denise Gentil – O artigo 195 da Constituição diz que a Seguridade Social será financiada por contribuições do empregador (incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro), dos trabalhadores e do Estado. Mas o que se faz é um cálculo distorcido. Primeiro, isola-se a Previdência da Seguridade Social. Em seguida, calcula-se o resultado da Previdência levando-se em consideração apenas a contribuição de empregadores e trabalhadores, e dela se deduz os gastos com todos os benefícios. Por essa metodologia, houve déficit de R$ 87 bilhões de janeiro a novembro de 2015. Pela Constituição, a base de financiamento da Seguridade Social inclui receitas como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e as receitas de concursos de prognóstico (resultado de sorteios, como loterias e apostas).
De quanto foi o superávit da Seguridade Social no ano passado?
Quando essas receitas são computadas, obtém-se superávit de, por exemplo, R$ 68 bilhões em 2013 e de R$ 56 bilhões em 2014. Mas essa informação não é repassada para a população, que fica com a noção de que o sistema enfrenta uma crise de grandes proporções e precisa de reforma urgente. Há uma ideia de insolvência e precariedade generalizada que, no caso da Previdência, não corresponde à realidade.
Então por que tanta pressão por reforma?
O objetivo é cortar gastos para dar uma satisfação ao mercado, que cobra o ajuste fiscal. Nada é dito sobre os gastos com juros, que entre janeiro e dezembro de 2015 custaram R$ 450 bilhões, o equivalente a 8,3% do PIB. Ocorre que o governo fez enormes desonerações desde 2011. Em 2015, chegaram a um valor estimado em R$ 282 bilhões, equivalente a 5% do PIB, sendo que 51% dessas renúncias foram de recursos da Seguridade Social. Essas desonerações não produziram o resultado previsto pelo governo, que era o de elevar os investimentos. Apenas se transformaram em margem de lucro.
Em 50 anos, o volume dos inativos corresponderá a mais da metade da população brasileira, segundo o IBGE. Mesmo assim não é necessária alguma mudança na lei para garantir aposentadoria no futuro?
É incrível que a burocracia estatal e uma parte da sociedade (o “mercado”) se preocupem tanto com o que acontecerá daqui a 50 anos. Subitamente, elas foram acometidas por um senso de responsabilidade com o futuro que não dedicam à educação, segurança, saúde… Só ocorre com o futuro da Previdência. Não é suspeito? O que precisamos, aqui e agora, é incluir um contingente enorme de pessoas que não têm acesso à Previdência. Aproximadamente 43% da população economicamente ativa vive sem direito a auxílio-acidente, seguro-desemprego, aposentadoria, pensão. A população envelhecerá, mas o que precisaremos não é de uma reforma previdenciária, mas de uma política macroeconômica voltada para o pleno emprego e que gere taxas elevadas de crescimento. É também necessário políticas de aumento da produtividade do trabalho com investimentos em educação, ciência, tecnologia e estímulos à infraestrutura. Esses mecanismos proporcionarão a arrecadação para o suporte aos idosos. Cada trabalhador será mais produtivo e produzirá o suficiente para elevar a renda e redistribuí-la entre ativos e inativos. Não podemos ficar presos a um determinismo demográfico.
Como estabelecer uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria em um país onde um trabalhador com mais de 40 anos é considerado velho?
A idade mínima que o governo quer instituir é para as aposentadorias por tempo de contribuição (hoje de 30 anos para as mulheres e 35 anos para os homens), que representam 29% das concessões. Ocorre que estes normalmente começaram a trabalhar cedo. Sacrificaram seus estudos, ganham menos, têm saúde mais precária e vivem menos. Essas pessoas formam dois grupos. Os que se aposentam precocemente acabam voltando a trabalhar e a contribuir para o INSS; não são um peso para a União. Outros que se aposentam mais cedo o fazem compulsoriamente porque não conseguem manter seus empregos, na maioria das vezes por defasagem entre os avanços tecnológicos e sua formação ultrapassada, ou pelo aparecimento de doenças crônicas que certos ofícios ocasionam. Estes já são punidos pelo fator previdenciário, que reduz o valor do benefício. Tratar a todos como se o mercado de trabalho fosse homogêneo ao criar idade mínima é injusto e cruel, principalmente numa economia em recessão.
Defensores da reforma pedem que a idade mínima para se aposentar seja a mesma entre homens e mulheres. Como exigir igualdade de tratamento na concessão de benefícios se a mesma igualdade não existe no mercado de trabalho?
Concordo. A Constituinte de 1988 visou compensar o salário menor e a dupla jornada de trabalho da mulher. Levou em consideração o fato de ela cuidar das crianças e dos idosos da família e de ter uma jornada muito superior a dez horas de trabalho diário. Esse desgaste, que compromete a saúde, teria que ser compensado com regras mais brandas de aposentadoria. E, de fato, as estatísticas mostram que as mulheres vivem mais que os homens, mas sofrem muito mais de doenças crônicas a partir dos 40 anos. Vivem mais, mas vivem pior.
Não é aconselhável uma reforma na aposentadoria de deputados e senadores?
As regras para essas aposentadorias foram alteradas. É semelhante às regras previdenciárias do servidor público federal. Para o recebimento integral, exige 35 anos de contribuição e 60 anos de idade sem fazer distinção entre homens e mulheres. Mas a conta sempre ficará para os trabalhadores do setor privado, que já sofreram uma minirreforma da Previdência no apagar das luzes do primeiro governo Dilma, com a revisão das pensões por morte, com as mudanças no seguro-desemprego e no abono salarial, no auxílio-doença, e, muito provavelmente em breve, haverá revisão nas aposentadorias especiais. Isso tudo adicionado à mudança na Previdência dos servidores públicos que aconteceu em 2012.
Surpreende que as mudanças tenham vindo em um governo de esquerda?
O governo Dilma está fazendo o que os tucanos desejaram, mas não tiveram força política para fazer. A esquerda hoje vive o constrangimento enorme de ter que apoiar um governo desconcertante, retrógrado, privatista, conservador até a medula, que ataca os direitos sociais conquistados com muita luta por sua própria base de apoio. Um dia vai às ruas contra oimpeachment. No dia seguinte, vive um pesadelo.Tem que se posicionar contra tudo o que o governo propõe no campo do ajuste fiscal. O que realmente quer essa militância de um governo que só pede apoio para se livrar do impeachment sem dar nenhuma contrapartida?
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União gastará R$ 3,8 bi com pagamento de pensões vitalícias a filhas de militares este ano
Há 185.326 beneficiárias na Marinha, no Exército e na Aeronáutica, que equivalem a 27,7% do total de pensionistas
RIO e BRASÍLIA -
Benefícios vitalícios, caros aos cofres da União e que vão durar até o fim do
século. Esse é o caso de pensões a filhas de militares e servidores civis,
privilégios que permanecem intocados em um país que enfrenta uma crise
econômica aguda. Segundo dados do Ministério da Defesa enviados à Comissão de
Orçamento, há 185.326 beneficiárias nas três Forças — Marinha, Exército e
Aeronáutica —, que equivalem a 27,7% do total de pensionistas e 36,25% do
efetivo de militares. O gasto estimado com essas pensões em 2015 chega a R$ 3,8
bilhões, num regime de aposentadoria deficitário e que tem rombo projetado de
R$ 11 bilhões para este ano. De acordo com o documento “Avaliação Atuarial das
Pensões dos Militares”, o resultado negativo vai perdurar por 75 anos.
O benefício da pensão
vitalícia para filhas de militares foi extinto em 2000 para servidores
admitidos a partir daquela data, mas quem já integrava o quadro das Forças
Armadas pode optar pelo pagamento de um adicional de 1,5% na contribuição
previdenciária para manter o privilégio. Assim, o regime será deficitário até
2080. O déficit deverá chegar naquele ano a cerca de R$ 7,5 bilhões, estima o
governo.
As pensões no regime
geral de Previdência Social também são vantajosas. O Brasil é um dos poucos
países onde a pensão ao herdeiro é integral (igual ao valor recebido pelo
segurado quando vivo). No ajuste fiscal do começo do ano, o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, tentou mudar a fórmula de cálculo — o valor cairia pela
metade, mais 10% por dependente, incluindo o viúvo ou viúva. No entanto, o
próprio relator da medida provisória, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), mudou
o texto proposto pelo governo e reduziu a economia prevista.
— O governo tem que
parar de desfazer com a mão esquerda, de noite, o que ele faz com a mão direita
de dia. O problema do ministro da Fazenda é que ele está dormindo com o inimigo
— disse o economista Fábio Giambiagi, referindo-se à atitude do relator,
deputado da base aliada.
Os cofres estaduais
também desembolsam vultosas quantias para herdeiras de funcionários públicos
civis e militares. Até dezembro de 1992, quando o benefício às filhas de civis
deixou de ser pago, bastava que a mulher fosse maior de idade e não se casasse
para ter direito a receber. Hoje, em São Paulo, constam na folha de pagamento
da São Paulo Previdência (Spprev) 17.690 pensionistas civis e 10.780
pensionistas militares recebendo o benefício enquanto se mantiverem solteiras.
Só em 2014, foram gastos R$ 784,5 milhões com esses pagamentos, sendo R$ 416,5
milhões a herdeiras de civis, e R$ 368 milhões a herdeiras de militares.
Já a Previdência do
Estado do Rio gasta, todo ano, R$ 740 milhões com benefícios a filhas solteiras
de funcionários públicos, também incluindo civis e militares. Hoje, há 25.290
beneficiárias recebendo pelo Rioprevidência. Uma auditoria feita pelo estado
identificou que 3.381 pensionistas recebiam dinheiro irregular — eram casadas
ou viviam em união estável. Quando foram comunicadas, 350 pediram a suspensão
do benefício. As demais foram suspensas por processo administrativo. Segundo o
Rioprevidência, a auditoria gerou economia anual de R$ 350 milhões.
O benefício social (Lei
Orgânica da Assistência Social, pago a idosos e deficientes da baixa renda, que
nunca contribuíram) na área rural também é diferenciado. Na zona urbana, o
benefício acaba com a morte do beneficiário, ou seja, não gera pensão. Já na
área rural, gera pagamento de pensão — há cerca de cinco milhões de moradores
no campo e 8,4 milhões de pessoas recebendo dois benefícios (aposentadoria e
pensão, equivalente a dois salários mínimos).
Outro auxílio polêmico
— e caro aos estados — é o pagamento de pensão a ex-governadores e
ex-primeiras-damas. Em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF)
concedeu liminar suspendendo a pensão vitalícia a ex-mandatários do Pará. Como
O GLOBO revelou no ano passado, ex-governadores e ex-primeiras-damas recebem
aposentadorias especiais e pensões vitalícias que variam de R$ 10,5 mil a R$
26,5 mil, a um custo anual de R$ 46,8 milhões.
Nas assembleias
legislativas, também há exemplos de benefícios salgados para os cofres
estaduais. Na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), por exemplo, cada um dos
70 deputados tem direito a um cartão combustível mensal para uso nos carros
oficiais, no valor de R$ 2.970. O custo anual chega a R$ 2,4 milhões.
No Judiciário, apesar
da luta dos servidores por reajustes, muitos salários são de marajás, já que o
teto institucional, fixado em R$ 33,7 mil, é muitas vezes ultrapassado.
Gratificações e adicionais não entram no cálculo. Segundo relatório Justiça em
Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esses dois itens representaram,
ano passado, R$ 3,8 bilhões das despesas do Poder Judiciário, equivalente a
6,3% do total gasto em 2014. Um dos casos mais emblemáticos é o do Tribunal de
Justiça de São Paulo. Dos 128 desembargadores e juízes, 42 recebem salário
líquido acima de R$ 50 mil — 32,8% do total de magistrados. O maior rendimento
chega a R$ 70,5 mil. Apenas dois estão dentro do teto.
AUXÍLIO-EDUCAÇÃO PARA
ATÉ TRÊS FILHOS
No Tribunal de Justiça
do Rio, entrou em vigor, em agosto deste ano, o auxílio-educação para até três
filhos de magistrados e servidores, no valor de R$ 953,47 por filho. O tribunal
também reembolsou o retroativo aos meses de junho e julho. Até agora, o custo
do auxílio foi de R$ 11,4 milhões, um adicional de R$ 3,8 milhões por mês. O
benefício já está sendo usado por 5.092 pessoas, sendo 5.081 filhos de magistrados
e servidores e 11 magistrados, que têm direito ao benefício enquanto cursarem
pós-graduação. O salário bruto de um desembargador é de R$ 30,4 mil.
Para Giambiagi, a União
não pode mais arcar com esses gastos:
— Vai ser difícil
continuar levando o país sem fazer reformas. Nos últimos 12 anos, só tocamos o
barco. Agora, corremos o risco de caminhar para uma situação fiscalmente
dramática.
Outra mordomia dada no
Judiciário é o auxílio-celular. Somando os custos com o benefício no Tribunal
de Contas da União (TCU), no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região
(TRT-RJ) e no Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), o custo é de R$ 1,3
milhão por ano. Só no TCU, os gastos chegam a quase R$ 1 milhão por ano, ou R$
82,3 mil por mês. Têm direito ao benefício 104 servidores e 19 autoridades, com
cifras variáveis de acordo com o cargo: vão de R$ 465,03 a R$ 1.395,10 por mês.
O maior salário do tribunal, sem benefícios, é de R$ 23,8 mil.
No Rio, o Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT) disponibilizou 107 aparelhos de celular
para magistrados. Além disso, o tribunal arca com gastos mensais de até R$ 200.
O custo anual do benefício chega a R$ 256,8 mil. Os magistrados, que já têm
direito a inúmeros outros benefícios, quiseram mais: juízes do Trabalho entraram
com uma liminar para acumular dois auxílios-moradia no caso de magistrados
casados. A Procuradoria estadual tentou suspender a liminar, mas não obteve
sucesso.
Consultor da Comissão
de Orçamento da Câmara, Leonardo Rolim destaca que a manutenção desses privilégios
custa caro ao país:
— Quem paga a conta é
toda a sociedade, o desempregado, as pessoas de menor renda.
— Em algum momento, é
preciso acabar ou pelos menos reduzir esses privilégios, que eu prefiro chamar
de diferenças — reforçou o pesquisador do Ipea Marcelo Caetano.
O ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tentou, no início do mandato, fazer mudanças no regime dos
militares, mas acabou recuando, diante da forte resistência da classe.
O Ministério da Defesa
alegou que os militares são uma categoria diferenciada e que o regime de
aposentadoria deve ser analisado de acordo com normas específicas. Informou
ainda que as regras para a classe são diferentes não só no Brasil, mas em
vários países.
É falso que a Previdência tem déficit, ao contrário ela tem superávit
O sistema de
proteção social brasileiro é o mais abrangente da América Latina, mas corre o
risco de uma regressão se a sociedade e o Congresso aceitarem a reforma da Previdência esboçada pelo governo
do presidente interino Michel Temer.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou na segunda-feira 30 o
envio ao Legislativo de uma proposta de emenda constitucional para fixar um
teto de gasto para o setor, parte de uma reformulação geral provavelmente no
estilo preconizado pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional entre
as décadas de 1980 e 1990, de viés privatizante.
O encaminhamento da PEC
aprofunda a desestruturação, iniciada nos anos 1990, do
sistema instituído pela Constituição de 1988 e aponta para a reversão de
conquistas obtidas na luta contra a ditadura. Há no País 24,5 milhões de
aposentados e pensionistas, 8,6 milhões no meio rural, e dois terços recebem um
salário mínimo por mês.
Segundo o governo, o
principal problema das contas públicas é um déficit previdenciário crônico. Um
diagnóstico longe do consenso. Consideradas todas as receitas previstas na
Constituição, os saldos são positivos e suficientes para financiar todos os
gastos do governo federal com previdência, saúde e assistência social, calcula
a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“O resultado do
encontro do total de receitas e despesas é amplamente superavitário, incluídos
os gastos administrativos com pessoal, custeio e pagamento da dívida de cada
setor. O superávit foi 56,7 bilhões de reais em 2010, 78,1 bilhões em 2012,
56,4 bilhões em 2014, e 20,1 bilhões em 2015, apesar das enormes desonerações tributárias realizadas nos
últimos cinco anos.”
Nas contas do governo,
entretanto, houve um déficit de 85,8 bilhões de reais, em 2015, precedido por
saldos negativos de 56,7 bilhões no ano anterior, 51,2 bilhões em 2013, 42,3
bilhões em 2012, 36,5 bilhões em 2011 e 44,3 bilhões em 2010.
A discrepância entre os
números decorre de uma manipulação. A Constituição de 1988 determina a
elaboração de três orçamentos, o Fiscal, o da Seguridade Social e o de
investimentos das estatais. Na execução orçamentária, entretanto, o governo
apresenta só dois orçamentos, o de Investimentos e o Fiscal e da Seguridade
Social, no qual consolida todas as receitas e despesas e unifica o
resultado.
“Com esse artifício,
não é possível identificar a transferência de recursos do orçamento da
Seguridade Social para financiar gastos do orçamento Fiscal. Para tornar o
quadro ainda mais confuso, isola-se, para efeito de análise orçamentária, o
resultado previdenciário do resto do orçamento da Seguridade”, analisa Denise
Gentil.
O diagnóstico do
economista Milko Matijascic, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, segue
a mesma direção. “A Constituição é ignorada e está na hora de fazer uma
prestação de contas que respeite as instituições legais”, disse em encontro de
entidades de trabalhadores.
“A manobra contábil
adotada pelos formuladores das políticas econômicas dos anos 1990, que
não trata a seguridade como um todo e desvia parte de seus recursos para outros
fins, tornou a Previdência a principal vilã, responsável pelos desajustes nas
contas públicas, embora isso não faça sentido pelo prisma legal.”
A deturpação de
informações é chave para incutir uma ideia depreciativa do sistema, de
insolvência e de precariedade generalizada, sem correspondência na realidade,
aponta Denise Gentil.
Um dos principais usos
do dinheiro desviado das receitas é o pagamento de juros da dívida pública. “O
problema mais importante das contas públicas não é a Previdência, mas uma conta
de juros extremamente elevada”, aponta o economista Amir Khair, ex-secretário
de Finanças da Prefeitura de São Paulo e consultor em entrevista concedida em
fevereiro a esta revista.
“Em 2015, os juros
foram responsáveis por 80% do déficit do setor público, mas isso não é
discutido porque a mídia interditou o debate sobre a questão fiscal.
Dificilmente se verá nos meios de comunicação a expressão déficit nominal, mas,
em qualquer outro país, é o que mede o déficit, e consiste na soma do déficit
primário e do déficit com juros.”
As visões opostas sobre
as contas correspondem a interesses de classe antagônicos, conclui um trabalho
do economista Eduardo Fagnani, da Unicamp. “As conquistas do movimento social
das décadas de 1970 e 1980 contrariaram os interesses dos detentores da
riqueza. Em grande medida, isso ocorreu porque mais de 10% do gasto público
federal em relação ao PIB foram vinculados constitucionalmente à seguridade
social.”
Para Fagnani,
coordenador da rede Plataforma Política Social, “desde a Assembleia Nacional
Constituinte aqueles setores desenvolvem ativa campanha difamatória e
ideológica orientada para demonizar a Seguridade Social, em especial o seu segmento
da Previdência, com gasto equivalente a 8% do PIB”.
Os constituintes de
1988 vincularam recursos do orçamento da Seguridade Social para evitar uma
prática corrente na ditadura, de captura, pela área econômica, de fontes de
financiamento do gasto social. Para surpresa de muitos, os governos
democráticos, a partir de 1990, dilapidaram aquela conquista.
Os interesses em jogo
raramente vêm à tona. A defesa do aumento da idade para aposentaria,
apresentado como opção única diante do aumento da expectativa de vida, é um
artifício para dissimular a busca pela ampliação do espaço das empresas
privadas no mercado previdenciário, argumentam Deen Baker e Mark Weisbrot, do
Economic Policy Institute, no livro Seguridade Social, a Crise Falsa.
“Não há dúvida quanto
ao enorme interesse do sistema financeiro na privatização da Seguridade Social.
Ele investe na produção de ideias necessárias para propiciar essa
transição.”
Entre os recursos da
Previdência desviados das finalidades originais constam as desonerações concedidas
às empresas, mencionadas acima. “As renúncias de receitas decorrentes dos
‘gastos tributários’ geraram uma perda de arrecadação estimada em 986 bilhões
de reais entre 2010 e 2014, sendo 136 bilhões ‘garfados’ ao orçamento da
Seguridade Social somente em 2014”, calcula a economista Lena Lavinas, da UFRJ.
Além da possibilidade de
tornar a Previdência superavitária com o fim dos desvios de receitas e das
renúncias fiscais, é possível elevá-las de modo substancial e aumentar a
abrangência da proteção social, argumentam o economista José Dari Krein e o
auditor fiscal do Trabalho Vitor Araújo Filgueiras, pesquisadores do Centro de
Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp,
em estudo recente.
A formalização do
trabalho assalariado sem carteira assinada acrescentaria ao orçamento anual 47
bilhões de reais, o fim da remuneração “por fora” aos trabalhadores 20 bilhões,
o reembolso pelas empresas das despesas com acidentes de trabalho 8,8 bilhões,
a extinção do enquadramento de acidentes de trabalho como doenças comuns 17
bilhões, e a eliminação das perdas de arrecadação por subnotificação de
acidentes, 13 bilhões.
Segundo os
pesquisadores, os números evidenciam que “as contribuições previdenciárias são
brutalmente sonegadas pelas empresas no Brasil”.
As cifras do governo
sobre o suposto déficit recorrente do sistema estão em questão e as distorções
levaram o presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, João Batista
Inocentini, a definir como proposta única da entidade, “refazer todas as contas
da Previdência”. Uma iniciativa necessária e urgente, diante das evidências
apresentadas.
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