A lei da selva: Jude Law em Calais, defendendo clandestinos
Por: Vilma Gryzinski
Ator inglês quer ajudar, mesmo quando atacado; não está sozinho num dilema sem saída
Conhecido pelos traços marcantes, os olhos verdes, os casos amorosos e os desempenhos acima da média para tanta beleza, o ator inglês Jude Law também tem ação no campo político. Já esteve no Afeganistão em visita a programas da ONU para crianças e participou de protestos de rua na Belarus (antiga e mais compreensível Bielorussia) contra o chamado “último ditador”, Alexander Lukashenko. Em companhia de outros atores, como Benedict Cumberbatch e Gillian Anderson, está participando de um programa em que cada famoso apadrinha um menor de idade dos milhares acampados na cidade francesa de Calais, esperando uma chance de entrar, legal ou ilegalmente, no Reino Unido.
Involuntariamente, acabou mostrando o ambiente de violência e agressividade vigente entre os estrangeiros, na maioria homens jovens provenientes da África, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático. Em fim de fevereiro, o ator esteve na Jungle, ou Selva, designação do primeiro acampamento, agora multiplicado por vários. Fez um discurso conclamando o primeiro-ministro inglês, David Cameron, a aceitar a entrada de menores e outros clandestinos.
Jude Law é bem-intencionado, mas não é louco. Por isso, tinha uma equipe para garantir sua segurança, ao contrário dos moradores comuns de Calais, cuja vida foi tumultuada por assaltos e agressões antes inexistentes na cidade. Os seguranças de Law , que estava em companhia do cantor Tim Odell, foram apedrejados por acampados. Dois perderam celulares, arrancados de suas mãos e pisoteados. Ficaram todos, evidentemente, “chocados”.
Existem mais de 400 menores nos campos de Calais, alguns pequenos e perdidos, outros maiores e aparentemente cientes do que fazem ao tentar entrar no Reino Unido, onde têm mais oportunidades, de trabalho e de benefícios sociais. A preocupação com os mais vulneráveis é plenamente justificada. Voluntários que fazem atendimento médico em Calais registraram pelo menos sete casos de meninos de 14 a 16 anos violentados por acampados.
O abuso sexual de meninos e meninas, além de mulheres desacompanhadas, é um problema também nas instalações que acolhem os migrantes que entraram em massa na Alemanha, principalmente no ano passado. A violência contra cidadãos dos países que acolheram os refugiados também tem capítulos pavorosos. Falar sobre isso provoca constrangimento, principalmente entre aqueles para os quais qualquer crítica ao comportamento dos recém-chegados implica em apoio à extrema-direita.
Alguns casos atravessam a rede de proteção, da qual participam os principais meios de comunicação, e provocam repúdio, como o do menino de dez anos violentado no vestiário de uma piscina municipal em Viena. O estuprador, um taxista iraquiano, alegou necessidade urgente, pois estava há três meses sem sexo. A mãe do menino, que passou cinco anos morando num centro para refugiados quando teve que deixar a Sérvia por causa da guerra, disse jamais ter visto algo semelhante nessa época. Agora, se arrepende de ter dito aos filhos que, por causa de seu histórico, deviam ser bons e gentis com os novos migrantes.
Condenar em massa os estrangeiros é um absurdo, mas não dá para ignorar o fato de que muitos chegam, em números e situação social, de forma bem diferente das ondas de imigrantes do último século e meio, na Europa e nas Américas. A violência nos próprios países dos quais vêm também mudou, para pior. E não são apenas países flagelados pela guerra e pelo ódio religioso. A maioria dos homens que rondam estações de trem e metrô na Alemanha e na Áustria assediando mulheres é procedente do Marrocos e da Tunísia. São países do norte da África acostumados há muitas décadas a receber milhões de turistas. Fora passadas de mão furtivas, repugnantes mas muito menos sérias do que as violações agora praticadas, mulheres e gays circulavam livremente por esses países. O risco máximo que corriam era cair no “conto do amor” e se apaixonar por cidadãos locais bons de conversa e da arte de separar ingênuos de seu dinheiro.
Uma pesquisa do jornal Aftonbladet mostrou que quase metade das suecas se sentem “muito ou parcialmente inseguras” quando estão sozinhas à noite. Um terço delas evita ir para casa no escuro, ficando com amigas. Como o jornal é da tradicional esquerda sueca, deu a pesquisa toda sem dizer qual o motivo desse medo no que foi, por tanto tempo, o país mais liberal do mundo. De forma geral, os jornais suecos não mencionam a origem estrangeira de envolvidos em violência sexual. A própria policia está proibida de fazer isso, para não parecer racista.
Apoiar quem precisa, incentivar os imigrantes que trabalham e seguem a lei, amparar os menores e não deixar que isso tudo se traduza em impunidade para criminosos é um enorme dilema moral e político, hoje, na Europa. Não é Jude Law, com toda sua louvável disposição a ajudar os necessitados, que tem as respostas, infelizmente.
Inglaterra: não basta torcer pelo dragão, é preciso detonar São Jorge
Repúdio das elites ao nacionalismo, representado pelo santo guerreiro, impulsiona voto pela saída da União Europeia
Por: Vilma Gryzinski
Um dos maiores mistérios atuais, para quem vê de fora, é como tanta gente no Reino Unido está disposta a votar para sair da União Europeia. Não existe nenhuma crise de grandes proporções, a economia vai bem (melhor do que entre todos os outros integrantes do grupo), as vantagens do comércio sem barreiras são auto-evidentes e, especialmente em Londres, existe um dinamismo palpável.
Sem contar que mais de um milhão de britânicos, na maioria aposentados, vivem na Espanha e na França, principalmente, como estivessem em casa, aproveitando os preços mais baixos e o sol mais alto.
No momento, existe um empate entre os dois lados no plebiscito do dia 23. Só a possibilidade de que o voto pela saída ganhe provocou nas últimas semanas uma fuga de capital na casa dos 65 milhões de libras – quase seis vezes mais em reais, se é que tem algum sentido fazer a conversão.
Os motivos racionais são conhecidos. O que mais pesa é a grande quantidade de estrangeiros que veio para o Reino Unido em busca de renda e benefícios sociais maiores. Primeiro poloneses, depois búlgaros e romenos, entre outros, provenientes especialmente da Europa Oriental, desequilibraram o mercado de trabalho, em especial entre pessoas mais velhas e da área da construção civil. Do outro lado, o mercado financeiro e a indústria criativa atraíram a nata de profissionais de todo mundo – e poucos reclamam disso.
Mas pesam também no voto pela saída fatores que operam num nível mais simbólico, como a sensação de que o estado nacional está se diluindo. É como se muita gente sentisse que precisa rejeitar suas origens e seu país. E aí falamos especialmente da Inglaterra, a força dominante que unificou, na marra ou pela atração natural dos mais bem-sucedidos, os outros integrantes do Reino: País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.
O processo só terminou há 300 anos e deixou, entre os agregados, muitos resquícios de rebelião. Na Inglaterra, o desejo de manter a união nem sempre tranquila e as mudanças históricas do último século impulsionaram uma espécie de culto anti-inglês. Tudo o que evoque a supremacia passada é oficialmente reprimido, inclusive noções arraigadas como patriotismo e nacionalismo.
Todos sabemos os males que estas pulsões, em descontrole, podem provocar. Agora, porém está acontecendo o contrário em muitos países europeus e até nos Estados Unidos, o país que nasceu de uma espécie de culto a si mesmo.
Desprezar sentimentos nacionais e considerar a todos, sem diferença de nacionalidade, cidadãos do mundo (principalmente para quem é do primeiro mundo) são atitudes que despertaram uma onda de rejeição. Uma das razões é que todos têm que pagar a conta dos benefícios sem fronteiras. Outra, é que muita gente gosta de ter um país, uma bandeira, um hino e um time de futebol.
No caso dos ingleses, isso tudo é representado pela cruz de São Jorge: vermelha sobre fundo branco. Empunhá-la também é restrito a praticamente duas categorias, classes sociais inferiores e torcedores fanáticos, embora não daqueles de cabeça raspada que botam para quebrar.
Vestir uma fantasia de cruzado – túnica branca com a cruz vermelha, e alguma coisa parecida com armadura – virou um hábito divertido nos grandes campeonatos. Mas não impune. Um comentarista esportivo da BBC, a emissora pública que, na mais famosa das definições, torceria pelo dragão se fosse transmitir a luta de São Jorge, escreveu uma contribuição encimada por uma pergunta instigante: é errado se vestir como cruzado para um jogo da Inglaterra?
Adivinhem qual a resposta? Pacientemente, como se falasse com crianças bobinhas, ou fizesse graça para os colegas, ele explicou que as cruzadas pretendiam “reconquistar o que consideravam terra cristã” e durante elas houve “violência brutal cometida por todas as partes”. Já deu para perceber de quem foi a culpa por acontecimentos históricos datados de mil a oitocentos anos atrás.
E se por acaso a intenção dos torcedores for se vestir como São Jorge, estarão cometendo outro erro horripilante. A representação popular do santo, tal como feita pelos ingleses, com cruz no peito e cavalo branco, é equivocadíssima. Até a armadura está errada, adverte o comentarista.
Evocar as cruzadas como exemplo das maldades cometidas pelo cristianismo – e dizer, indiretamente, que os fanáticos muçulmanos do século XXI estão na mesma categoria – é uma maluquice histórica e moral que já foi cometida até pelo presidente Barack Obama.
Mas nem Obama chegaria ao ponto de policiar fantasias de torcedores de futebol e querer que os ingleses repudiem São Jorge. Mexer com o santo guerreiro dá a maior confusão. Embora as elites arrogantes que caíram de um cavalo metafórico diante do tamanho do voto pela saída da União Europeia, mesmo que acabe derrotado, não façam a menor ideia disso.
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